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Descriminalização de porte pode favorecer 1/4 dos detidos com droga

É o que aponta estudo do Ipea, considerando permissão de portar até 25 g, limite sugerido em 2015 pelo ministro Barroso, caso ainda aguarda fim da análise pelo STF.

Estudo do Ipea considera permissão a porte de até 25 gramas de maconha, sugestão do ministro Luís Roberto Barroso.

Caso aprovada, a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal, em análise no Supremo Tribunal Federal (STF), terá efeitos diversos entre Estados e causará a revisão de uma em cada quatro condenações envolvendo maconha. É o que aponta um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), considerando a permissão de portar até 25 gramas da droga, sugerida em 2015 pelo ministro Luís Roberto Barroso, com base em legislação de Portugal. Se essa for a “régua”, 31% dos processos por tráfico em que houve apreensão de cannabis poderiam em tese ser reclassificados como porte pessoal – e 27% dos condenados poderiam ter julgamentos revistos.

Em Amazonas, Roraima e Espírito Santo, por exemplo, mais da metade dos processados por tráfico de maconha estava com até 25 gramas da droga. O Supremo analisa recurso extraordinário da Defensoria Pública de São Paulo que contesta a punição prevista especificamente para quem “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal”. No caso em questão, o condenado portava 3 gramas de maconha.

Segundo o artigo 28 da Lei de Drogas, as penas variam entre “advertência sobre os efeitos das drogas”, “prestação de serviços à comunidade” e “medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”. Até aqui, além de Barroso, dois ministros já votaram e, embora com divergências pontuais, foram a favor de descriminalizar o porte: Gilmar Mendes, hoje relator do caso, e Edson Fachin. Ontem, mais uma vez o assunto não chegou a ser colocado em discussão.

Especialistas divergem sobre o tema. Uma parcela acredita que definir critérios pode evitar condenações injustas e reduzir a subjetividade, incluindo o risco de viés racial, nas análises da polícia e do Judiciário sobre casos de apreensões de drogas e diminuir o encarceramento. Já outras correntes veem fortalecimento do alcance de facções criminosas com a descriminalização e possibilidade de aumento do número de usuários.

Conforme o estudo do Ipea, a mediana da quantidade de maconha apreendida com cada processado por traficar cannabis no País é de 85 gramas. Isso significa que, em ao menos metade dos casos, o carregamento encontrado com o réu foi menor ou igual a essa marca. “Há predominância de pequenas quantidades”, diz a pesquisadora Milena Soares, uma das coordenadoras da pesquisa.

Em 58,7% dos processos envolvendo maconha, a quantidade apreendida é menor que 150 gramas, conforme a pesquisa. Os Estados com as menores medianas são Amazonas (20 g), Roraima (23 g), Espírito Santo (23 g) e Piauí (26 g). Em São Paulo, foi de 54 g, também abaixo da média nacional. Na outra ponta, os Estados com maior mediana são Mato Grosso do Sul (1,1 kg), Rio (147 g), Pernambuco (112 g) e Santa Catarina (111 g). As causas disso, segundo Milena, ainda têm de ser melhor investigadas, mas a ideia é que a pesquisa embase o aprofundamento de discussões. “São achados para qualificar o debate e as decisões públicas sobre o assunto.”

Houve apreensão de cocaína em 70,2% dos processos por tráfico de drogas analisados. De maconha, em 67,1% das ocorrências. São as duas substâncias mais comuns nas implicações judiciais. As unidades federativas com as maiores medianas de cocaína apreendida por réu são Rio (96 g), Alagoas (60 g), Roraima (44 g) e São Paulo (42 g). Com menores quantidades estão Maranhão (5 g), Distrito Federal (6 g) e Goiás (7 g).

Um ponto de atenção destacado pelos pesquisadores é a imprecisão das informações sobre as drogas nas denúncias, laudos e sentenças. “Nem sempre a gente encontrava a informação da massa em gramas, em métrica padrão”, diz Milena. Em alguns casos, havia apenas a descrição de “tijolos” ou “papelotes” de droga, por exemplo. Em outras, não foi especificado se a substância foi pesada com ou sem a embalagem.

“Essa diferença é relevante para que se possa melhorar a qualidade da informação no processo, ter mais objetividade na mensuração e avançar nesse debate sobre critérios objetivos”, afirma ela. O estudo quantitativo analisou processos de 5,1 mil réus com indiciamento (na fase policial), denúncia e/ou sentença por crimes de tráfico de drogas, com decisão terminativa no 1.º semestre de 2019.

Os pesquisadores apresentam duas recomendações principais diante dos achados. Propõem a agentes públicos criar parâmetros objetivos para definir quantidades de drogas compatíveis com porte para uso pessoal justamente o que está em debate no STF. E sugerem criar um protocolo, na hora da elaboração dos laudos periciais preliminares e definitivos, para definir padrões de pesagem, indicação obrigatória de massa líquida (sem embalagem) das substâncias periciadas e descrição dos métodos para aferir a natureza das substâncias.

 

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